Durante muito tempo, existiu uma lenda. Acreditavam e repetiam que a falta de água seria um destino irreversível para a caatinga brasileira (nome que significa “floresta branca”, em tupi-guarani). O clima seco, sol forte e mandacarus espinhentos muitas vezes chegam primeiro na imaginação quando falamos do nordeste brasileiro. Mas hoje muita coisa mudou nesse cenário.
Dona Maria Margarida Souza conhece de perto essa transformação. Com uma simpatia que perpassa pelo nome de flor, a lavradora mora na comunidade de Alecrim, município de Morro do Chapéu, Bahia, há quase 40 anos com o marido. “Nós viemos pra cá, plantamos café, fomos ajeitando e Deus abençoou para que a gente ficasse aqui até hoje. Lutando na roça por vida. Eu nunca trabalhei em outra profissão”. A realidade de Dona Maria Margarida é marcada por muito esforço, principalmente com relação à água limpa, que sempre foi um recurso difícil de ser conseguido no povoado distante em que mora, a cerca de 30 quilômetros da cidade e com acesso marcado por estrada de terra e mata-burros: “A gente ia se humilhando pra esse povo pedindo um copo de água. Vinha lá de longe com um balde na cabeça, era assim direto. Foi Deus que botou esse milagre na vida da gente. Agora somos muito alegres”.
O “milagre” a que Dona Maria Margarida se refere foi ter recebido uma cisterna de reaproveitamento de água da chuva em sua casa, por meio do programa Enel Compartilha Infraestrutura. Quando o projeto foi criado, em abril de 2018, muitas famílias da região consumiam água impura e até mesmo salgada – motivo de pressão alta em alguns habitantes. A seleção do projeto contemplou 105 casas que receberam uma cisterna em Morro do Chapéu.
O sistema é composto por um reservatório colocado logo abaixo do telhado da casa, fazendo com que a água da chuva – que cai em doses homeopáticas durante o ano na região – seja direcionada para um filtro interno para um primeiro tratamento. Em seguida, a água passa por um cano de PVC branco com cerca de sete metros e cai, já mais limpa, na cisterna, um grande reservatório branco feito de placas de concreto. A cor branca também tem um motivo: ela reflete a luz do sol, baixando a temperatura em cerca de dois graus internamente. Por fim, uma bomba manual de fácil utilização auxilia na retirada da água do local. A água do reservatório passa por uma mangueira, depois por um último filtro e chega à torneira.
Cada cisterna é capaz de armazenar 16 mil litros de água, volume suficiente para abastecer uma família de cinco pessoas (para beber, cozinhar, preparar alimentos e escovar os dentes) durante oito meses sem chuva. A cobertura dos reservatórios é fundamental para que a água não evapore e permaneça limpa, livre de animais, folhas, insetos e terra.
“A água é o principal. Sem água, a pessoa não pode sobreviver, não pode lavar, tomar um banho, cozinhar. Se não tiver a água, não tem nada na vida. A água é vida”, define Dona Maria Margarida.
Peixe que não se pesca
Os moradores beneficiados com as cisternas aprendem como tratar, manter e retirar a água – aprendizados importantes para que o benefício dure por um bom tempo. Seu Julio Barreto, morador da comunidade Santa Cruz (Morro do Chapéu/BA), vivia uma realidade de mais de 20 anos consumindo a água da chuva que ficava acumulada em um poço redondo situado ao lado de sua casa na roça, sem cobertura ou tratamento adequado.
O lavrador de café utilizava uma técnica pouco eficaz para tornar mais potável a única água que tinha: “a água antigamente era ruim pra caramba. Eu tinha que colocar uma água sanitária ou um peixe dentro da água para limpar. Aí eu pegava, fervia e botava dentro do filtro, mas a água era ruim porque caía muita coisa lá dentro. Tinha um gosto ruim, o cheiro também era desagradável. Agora, melhorou muito depois da caixa da Enel porque a água é tratada, a caixa é coberta, não tem problema de sujeira”.
Seu Julio e as outras 104 famílias de Morro do Chapéu celebram a chegada das cisternas em suas casas, pois essas não lhe trouxeram apenas água potável para beber e cozinhar. O novo sistema trouxe mais saúde, tranquilidade e transformou a realidade dessas pessoas, deixando as experiências com a antiga água no passado, apenas como histórias para contar.