Quando começou a dar aulas, aos 18 anos, ainda durante a faculdade, Raphaela Duarte tinha um sonho: aliar o contato com pessoas à sua paixão pelos números. “Eu gosto de gente e percebi que a escola propiciava contato com pessoas diversas, com experiências únicas e formas diferentes de ver a vida”. Raphaela é professora de Matemática e dá aula para turmas de 8º e 9º anos na Escola Municipal Francisco Portugal Neves, uma das três instituições que deram boas-vindas ao projeto Escolas Criativas em Niterói/RJ.
Gerado por meio de uma parceria entre a Enel Distribuição Rio, Prefeitura de Niterói, Secretaria da Cultura do Rio de Janeiro e Aneel em 2017, o projeto traz para o ambiente escolar novas propostas de trabalhar com os temas da arte, cultura, inovação, eficiência energética e sustentabilidade. Saem as cadeiras alinhadas e o quadro negro. Entram locais de compartilhamento de experiências, apresentações culturais, equipamentos tecnológicos novos e cursos para alunos e professores em salas temáticas de identidade visual lúdica, colorida e com ilustrações que levam os participantes ao mundo da digitalização, criatividade e cultura.
“O projeto trabalha não só a formação cognitiva do indivíduo, mas também os gostos, as artes, o gostar ou não gostar, as impressões que cada peça de teatro, cada espetáculo de dança e cada número musical provoca no aluno. Acho isso extremamente importante. Ele vem nos ajudar a extrapolar o universo da sala de aula. É um olhar diferente para a arte e para a educação”, celebra a professora.
A inserção desses temas na escola desenvolve não somente o conhecimento do aluno, mas a sua comunicação, o seu comportamento, o seu interesse pelas matérias regulares da grade curricular e até o sentido de frequentar a escola. Esses dois últimos fatores atualmente estão entre os principais motivadores da evasão escolar segundo o Ministério da Educação. Dados do Movimento Todos pela Educação (dezembro/2018) afirmam que, entre os adolescentes com 16 anos, um em cada quatro já deixou de frequentar a sala de aula. Dos que têm 19 anos, de cada três, dois sairão da escola sem terminar os estudos.
Novas perspectivas que inspiram motivação
A professora Raphaela utiliza os recursos da iniciativa Escolas Criativas para dar outras perspectivas para suas aulas e evitar que esses índices de evasão cresçam: “Várias vezes eu trouxe meus alunos para a sala temática do projeto instalada aqui na escola e eles me pediram para sentar no chão, para interagir com a aula de outra maneira – e foi uma experiência muito bacana. Embora estejam dentro da escola, eles não sentem que estão naquele modo quadrado de sala de aula. Lembro de um dia em que trabalhei o tema “geometria” aqui na sala com a turma, explorando a perspectiva de chão, de teto, de dentro e de fora, e isso contribui para ampliar os horizontes dos estudantes. Quando os alunos chegam num ambiente onde passam a se ver sob outra perspectiva, isso facilita inclusive o comportamento deles para ficarem mais tranquilos para escutar a matéria. É muito bom nesse sentido”, exemplifica.
Além da experiência contada pelos alunos, a professora também participou de um curso de formação de professores sobre Cultura Brasileira, fornecido dentro do Escolas Criativas. “É algo que parece não ter relação direta com a Matemática, mas que é muito importante para ampliar a minha visão de mundo e minha criatividade na sala de aula. Adorei o curso”.
Motivação acesa pelo novo
Thayane Santos, 11 anos, é aluna do 6º ano na mesma escola onde Raphaela dá aulas. Ela mora com seu pai, sua “tia” – como gosta de chamar sua madrasta – e seus irmãos, e acorda todos os dias às 5h da manhã para ir à escola. Amante de capoeira e das artes, Thayane nunca tinha assistido a uma apresentação de balé ao vivo, mas teve essa oportunidade ao se deparar com a Companhia de Ballet da Cidade de Niterói apresentando-se em sua escola no dia 25 de junho.
“Eles conseguem se comunicar fisicamente. Me passaram uma energia muito boa, vou até tentar fazer balé! Nunca tinha visto eles fazerem o que fizeram hoje, só na televisão”, afirma a aluna, que começou a praticar capoeira há alguns meses para melhorar sua comunicação com as pessoas.
Thayane tem apenas 11 anos, mas sabe bem a importância desse tipo de iniciativa de trazer atrações culturais para dentro do ambiente escolar: “As crianças, quando saem da escola, ficam na rua. Com o balé, elas podem ocupar o seu tempo com outras coisas. Tem crianças que querem ser designers, médicos, um monte de coisa. Com a cultura, você aprende e pode chegar em outros lugares”.
Geração de mentes criativas
Esses novos lugares também passam pela Fotografia, Audiovisual, Produção Cultural e Musicalização. A chegada dessas novas disciplinas na Escola Municipal Maestro Heitor Villa-Lobos, outra instituição que recebe o Escolas Criativas este ano, despertou o interesse de muitos alunos em aprender novas habilidades de forma gratuita. Israny Silva, aluna do 6º ano, escolheu o Audiovisual, para se aproximar do mundo das gravações e da edição de vídeos.
“É maneiro, dá para aprender muitas coisas. Vemos não só o conteúdo do audiovisual, mas também assuntos sobre igualdade, meio ambiente, etnia”, afirma. Esta, inclusive, é a primeira vez que a aluna frequenta atividades culturais na escola.
Fora a capacitação, o curso também envolve os estudantes em temas para reflexão e debate. “A gente está produzindo um vídeo sobre direitos iguais, falando sobre racismo e homofobia. A gente já aprendeu a gravar, então vamos começar a entrevistar e a montar o vídeo, a editar. Esse tema é muito importante porque tem muitas pessoas com mente fechada que precisam saber mais sobre isso”, conta Israny.
Embora goste muito de brincar e conversar com suas amigas, é o curso de Audiovisual que motiva a aluna a frequentar o colégio: “Fiquei com mais vontade de vir para o colégio para não perder nada. Além do mais, você deixa de ganhar o diploma se faltar mais de dois dias”.
Até hoje, mais de 630 pessoas já foram impactadas pelo projeto Escolas Criativas em Niterói – um piloto que será multiplicado em outras cidades do País em breve, como Jericoacoara, no Ceará. O ganho principal do projeto vai muito além da Educação Inclusiva e de Qualidade prevista pelo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 da ONU. Israny resume: “Eu me torno uma pessoa melhor porque eu posso conhecer mais coisas e cuido mais do meu ambiente e do meu futuro”.