“Jericoacoara antigamente era uma vila somente de pescador. As casas eram casinhas de taipa.”
Apesar das dificuldades, Seu Zé Diogo relembra que a vila sempre foi “um lugar bom”. Em 1920, ano de seu nascimento, o local contava com 20 moradores e uma terra seca, com quase nenhuma vegetação, apenas coqueiros. Uma das grandes dificuldades dos fundadores era a conservação dos peixes, pois nem mesmo sal havia no lugar. Na época, os pescados eram levados por um tortuoso caminho banhado pelo sol para os agricultores das cidades vizinhas e trocados por farinha, milho e arroz. Assim era a vida em Jeri, sem luxo e luz elétrica, mas construída pelo sentimento de comunidade, já que a sobrevivência só era possível por meio da união.
“Meu pai chegou aqui no tempo da seca mais terrível do mundo. O Ceará todo sabe disso. A gente comia couro velho. Se encontrasse, rasgava no dente e comia.”
Jericoacoara faz parte do município de Jijoca, local onde se faziam as trocas e vendas. Dona Baíca, filha de pescador, explica que o caminho até Jijoca era longo e repleto de mato quase intocado. O jumento fazia o percurso ao lado dos moradores, carregando os peixes que seriam trocados. Na volta, a imagem era a mesma. Porém, nas costas do animal iam farinha, goma, beijú e tapioca, comida típica que ajudava no sustento dos fundadores da vila.
“Jijoca era uma mata bruta. Cansei de ir daqui, de pés, pra “farinhada” na Jijoca. Entrava de mata adentro e se mandava.”
Um dia, enquanto andava nas pedras da Malhada, o pai de Seu Zé Diogo e outros pescadores encontraram um pó esbranquiçado que transformaria a vida em Jeri. Finalmente havia sal para preservar os pescados!
Sem geladeiras ou energia elétrica para auxiliar na conservação dos alimentos, os peixes eram salgados de um dia para o outro para serem utilizados depois na preparação da comida ou na venda e troca por outras mercadorias na Jijoca Ou mesmo em Jeri, já que com o tempo a vila passou a receber visitantes em busca de seu pescado.
“A vila era bem primitiva. A gente não tinha eletricidade, não tinha água.”
Outro marco que revolucionou a pequena vila foi o gelo. Os comerciantes iam a Jeri, pegavam as lagostas, peixes e outros frutos do mar e deixavam no gelo, que, assim como o sal, era utilizado na conservação. Com o passar do tempo, Jeri se tornou um pólo de fornecimento de peixes e frutos do mar para toda a região, e comboieiros do Tianguá, da Serra e de todo o Sertão passavam por lá para comprar a mercadoria.
Sim, a vida melhorou e algum progresso havia chegado, mas a energia elétrica ainda passava longe. Tia Angelita fala que as noites eram escuras, à base de lamparinas e candeias que iluminavam um pouco a vida em família antes do descanso para um novo dia de trabalho duro.
Tia Angelita conta também que no início Jericoacoara não era conhecida por esse nome mas, sim, por Serrote, uma formação rochosa que pode ser vista do mar. “Jeri” era o nome da tribo indígena que habitava a região; “Coá Coá”, o som dos pássaros que sobrevoavam, e tem também o Jacaré, animal com o qual as rochas do Serrote se pareciam. E daí vem o nome Jericoacoara.
Ela pergunta se é um nome bonito e a gente faz que sim com a cabeça. É tudo bonito, Tia Angelita: a vila que seduz a todos que nela chegam, as entoadas e o jeito calmo do lugar, o pôr do sol na praia onde moradores e turistas fazem as rodas de capoeira e, principalmente, é bonita a história repleta de poesia de Jeri, que se emaranha com a de seus habitantes, suas histórias de vida e a tranquilidade de quem sabe que tem o mar como salvador.